domingo, 27 de fevereiro de 2011

TEMPO, TEMPO, TEMPO

      
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                                                  "Peço-te o prazer legítimo
                                                    E o movimento preciso
                                                    Tempo tempo tempo tempo"
                                                             Caetano Veloso

Tempo é poesia
Tempo é dinheiro
Tempo é festim
De regalia 
Do privilegiado
Perdição de uma classe trabalhadora
Sufocando seu sonho mais alto
Para viver conforme a mera sobrevivência
Tempo é ócio
Tempo é negócio
Tempo é sócio
Sustenido
Onde o vento faz curva no crepúsculo
Na aurora 
No ocaso

No caos da cidade
Tempo é descaso
Tempo é casamento
Tempo é contrato
Servidão
Obrigação
Labuta
Tédio
Embriaguez rotunda
Ar condicionado de prazos 
E consórcios malignos

Mas eu afirmo:
Tempo é cajado
Do pastor que governa com o sol de deus sobre a testa
E o peso da decisão que soberba vontade impera
Sem se envergar com a ovelha que rumina

Tempo é oração
E gratidão pelo que vem endereçado ou torto
Aproveitando cada atalho
E cada milha a mais percorrida
Tempo é aprendizado infinito enquanto dura a vida
Satisfação vagabunda
Moto perpetuo
É sina de ser signo
Perene ou banal
Sagaz ou solene 
Sempre sincronicidade
Tempo é rota de luz no espaço vital do corpo
Tempo é sombra
E tempo é sol
Chuva que encharca 
Musgo na pedra que não gira
É sal de oceano
É somatizar a senha
Tempo é sanha
E tempo é samba

Pra quem não se disciplina
Tempo é algoz implacável
Mala sem alça
Ampulheta sádica
Tiro de festim
Sem gargalo pra beber
Nem canto de galo pra tecer
Arrependimento insano
Mas pra quem colhe o que planta soberano
Tempo é bênção 
E sagração da primavera

Tempo é senhor dos traumas
Curandeiro da dor e da bílis
E tempo também é mola-mestre
Da subvivência 
Da prostituição
Da prostituição do corpo e do pensamento
Quando tempo é orquestrado por uma vontade dúbia

Tempo é a ante-câmera
Do congresso do medo 
E do congresso da ruga
Tempo é saliva nos dentes caninos
E é gosto de fruta
Colhida no pé maduro
Gestada pelo crescimento sadio
Orgânico e que se move sem se mover
Como no Wu Wei do Tao
Deixa que os fatos sejam fatos naturalmente
A árvore, a flor, a planta
Evoluem rápido com o tempo
Embora sem nenhuma pressa
E de energia, nenhum desperdício
E a fragrância que uma fez ficou no ar
Não morre no próximo segundo
Pavimenta um passo no sonho legítimo
Cadeia contínua
Que sabe que é fugaz
Mas que nunca termina 
Num gesto ou sopro de vida
Que cada coisa se encadeia em outra
Assim como cada tempo
Assim como cada pessoa 
Se encadeia em outra pessoa
E cada morto se encadeia em um vivo

Que se ocupe de absorver os cheiros do mundo
em vez de se lastrear e feder
com os impostos do medo e da preguiça

Tempo é assento
Para o casal da razão e da intuição
Tempo é dívida
E tempo é soldo
Sal da terra
Soldado em posto
Carcereiro de paisana

Tempo é paisagem
pra olhos de mel
e é neblina pra olhos de sangue
Cura pro ódio
e cura pro amor

Tempo é senhor das revisões
Das edições mil de cada história
De cada terno retorno
Tempo é o exercício que aplica a memória  
À seleção natural do esquecimento

Como no Livro dos Eclesiastes
Cantado pelos Byrds 
"Para tudo há um tempo
Tempo de matar
Tempo de curar
Tempo de paz"

Tempo é o corredor do eco 
Do grito
Seja de dor
Ou de júbilo
E tempo é tecelão
Que no silêncio melhor matura
Do sono do morto e do justo

Tempo é aquecimento pro round 
É túnel com luz ora radiante
Ora opaca
Ora ofuscante
Ora negra
Como o neon de danceteria
Tempo é ritmo, arritimia
Ruído, silêncio e harmonia
E tempo é melodia
Giant steps
Kind of blue
Revolver at the gates of dawn
Freak out
Fun house
Clara crocodilo  
Isca de polícia
Batidas no liquidificador tropicalista

Tempo é um andarilho na encruzilhada
Ambulante metamorfose
Sempre revira e procria
Tempo é senhor das demandas
Cozinha os problemas
Desde que beatificado de boa vontade
E paciência
Tempo gratifica os gestos grandes
Do cotidiano que não dá notícias
É o lume do arquejo
Caranguejo que evolui 
Ao andar de lado
Garras como capataz
Sentinela que guia ao consultar os astros
Nuvem no firmamento
A sempre desenhar uma nova sina com o vento


Skelter - 11-1-2011

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