terça-feira, 27 de dezembro de 2011

CRUEL ou HIPÓTESE SOBRE A CRUELDADE

“Se a natureza fez-nos a nós, mulheres, de todo incapazes para as boas ações, não há, para a maldade, artífices mais competentes” Medeia



Q importa eu ser cruel se as pessoas que dizem querer meu bem o fazem na tirania da imposição de suas idéias de bem?

Q importa eu ser cruel se toda pedagogia q conheço, antes de estimular a liberdade e a expansão do afeto, é autoritária e não dialética?

Q importa eu ser cruel se qdo eu amo recebo mais indiferença q quem explora?

Q importa eu ser cruel se qdo eu sonho utópico sempre dou de cara com o Muro?

Q importa eu ser cruel se a malícia sempre faz frente a minha franqueza?

Q importa eu ser cruel se quem fala de amor e revolução pratica o mesmo jogo de poder?

Se todo ídolo visto de perto tem pés de barro

Q importa eu ser cruel se a caridade é um dogma temente a Deus?

Q importa eu ser cruel se a harmonia da natureza vale-se da ordenação da violência?

Se o caos q rege o cosmos n tem piedade de seus particulares?

Se o q é instituído como justiça é a justificação de uma ordem injusta?

Q importa eu ser um malfeitor se a cartilha de Maquiavel rege mais as relações sociais q o desinteresse de uma alma aberta?

Se a Vontade de Poder só é refreada pelo Medo e por outro Poder?

Se o q se chama de Amor é um produto inconsciente do egoísmo?

Se o amor dos casais n passa de um complô, a cumplicidade de um crime, uma dominação, uma guerra, cimentada pelo instinto sexual e iniciada pelo capricho egoísta da seleção natural?

Se o amor ao filho é o desejo radical e nem sempre consciente de perpetuar a si mesmo?
Quantas relações tidas como desinteressadas são sustentadas pelo mesmo tópico q o comércio - o escambo, a troca e a afinidade eletiva?

Se a dor q me comove no outro é apenas projeção da minha própria dor e do meu medo de, sendo conivente, justificar perante os deuses e os mortais q mereço a mesma dor?

Se a instituição da n agressão e n exploração é apenas uma forma velada de garantir q os dominados n conspirem contra os dominadores, enqto dão curso livre à sua exploração?

Q importa querer mudar o mundo, se o único mundo q importa e é possível mudar é o meu mundo?

E dizer q sofrendo a crueldade n verei sentido em fazer sua apologia é o mesmo q dizer q perdendo o jogo n vejo sentido em jogar -  por má fé, pretensão ou arrogância pois nunca conseguirei suspender a crueldade do mundo, tal como a gravitação dos corpos

E sobretudo, mesmo me expressando, q importa converter alguém do q eu vejo assim como um cristão ou um comunista se o q está gravado em minhas retinas n o redime nem o  torna meu aliado?


26dez2011

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

O ÚLTIMO MACHO-ALFA

Estou no jogo todos os dias
Sou um homem viril
Sou o "taxi driver"* se mirando no espelho
Pose de contestação andromaníaca
Ameaçando um disparo imaginário na cabeça de vento
Ameaçando um disparo imaginário na cabeça de vento

Ouço hardcore numa intensidade que estanca delicadeza
Rock'n'roll com levada country
Funk e hip-hop gangsta
Fico em casa com uma jeans surrada
Pela cozinha, peito nu, descalço
Dedão do pé estourado de racha
Mas amanhã estou de volta à quadra
Comigo não tem bola perdida nem quadrada

Com mulher não tem meia palavra
Eu digo o que ela quer ouvir
E quando digo não
Ela pode nem saber que queria
Amar é demarcar território
O amor é uma guerra, um mercado
Lei da oferta e caça
Homem-primata
Eu sou durão pois é assim que me faço ser respeitado
Por homens e mulheres
É assim que faço meu nome
Demarco minha urina e expando meu território
Arames farpados no filtro-coração dos homens
Arames farpados no filtro dos homens

Com uma vontade vacilante
A mulher te acha frouxo
A sociedade passa rasteira ou ignora

Com uma vontade inteira
Sou um exército, time compacto
É assim que abro meu caminho na selva de pedra
Discreto e orgulhoso
Posso ganhar e ganho em dobro
E se posso perder ninguém me subestima

Prezo o sexo como o bebê o peito materno
Sexo é minha oração
E toda hora sou disposição
Dou conta do recado, chamo de vagaba e dou uns tapas
E após o orgasmo me sinto abençoado
Como uma criatura divina

Com meus amigos tenho a palavra certa
E a malandragem afiada
Minha turma é minha segunda família
Caço como cão quem é traíra
Mas no fim, eu é que faço sempre a minha trilha
No fundo é cada um por si
O tempo escorrendo
E Deus contra todos
O tempo escorrendo
E Deus contra todos

Enquanto domo meus demônios com a mão direita
Enquanto domo meus demônios com a mão destra
Tiro deles o fogo com a esquerda

Meu alimento é forte
Como meu temperamento
Se mato um leão por dia
Eu o asso no mesmo

Levo os dias no ímpeto, na raça
Pensar demais é coisa pros fracos,
Especialistas, insetos
Sou um homem simples
De decisões simples
Mas sou soberano e prático
E tenho da vida um sabor forte, doce ou amargo
Não cozinho meus problemas
Tomo uma decisão
AND JUST DO IT
DO IT YOURSELF
DO IT MYSELF
Atitudo decidida não dá mole pra envergar o caráter
Nem dá brecha pra rato, hiena ou carrapato
Meu dia eu persigo com olhos de lince
Instinto de sobrevivência, temperamento másculo
De noite durmo quase exausto
E acordo como um predador renovado
Que não tem muito de gravidade, nem de filosofia
Alma sedenta como criança, mente focada como adulto:
A lógica de ser é a próxima caça

Todos os dias alguém na TV lembra que todos envelhecem
Não quero encarar esses pensamentos mórbidos
Tomo minha cerveja e cuspo no chão
Excito minha mente com meu suor
Celebro todo o dia o pão e a labuta
Escapo bem todos os dias da minha consciência-guilhotina
Sem tempo de estacionar na glória ou na perda
No passado, no futuro ou na carência
De cada momento tomo e dou o que se deve
E passo adiante sem muito alarde

Não durmo em cima de meus louros
Não dou tempo pra chegar a traça
Cada dia tem uma batalha
Em que me engajo com tesão e fúria
Em que me engajo com TESÃO e FÚRIA
Não tenho serenidade para viver
Não tenho serenidade pra viver
Tenho é muita febre
E tenho loucura
Tenho é muita FEBRE
E tenho LOUCURA

Skelter - 28-6-2010




*referência ao filme Taxi Driver de Martin Scorcese

sábado, 10 de dezembro de 2011

TIVE UMA VISÃO

Eu vi o sagrado
Eu vi o sagrado em sonho
Ele me disse que o sonho dos beatniks não envelheceu
Ele me disse que do meu grande sonho eu não havia despertado
Ele disse para me orgulhar de mim 
Mesmo que meu superego me ponha pra baixo
Ele me disse para acreditar em visões
E me agarrar firmemente a elas
Ele me disse que minha grande obra está para ser feita
Que sou um artista
Como todo humano que se preze é um 
E faz da sua vida a grande obra de arte
Ele me disse para não acreditar no futuro amanhã
O futuro é agora
Para permanecer sensível a tudo
E questionar a tudo 
A ter a coragem
Munido da visão
Coragem para arrebentar as portas
Coragem de escancarar as janelas
Coragem de desatar os nós

Ele me disse que há bem aventurança em observar os lírios do campo
Como disse Jesus
Sem guardar amor para o amanhã
Ele me disse que posso ser santo
Como santo é a língua, o caralho, as mãos e o ânus
Como disse o poeta beat Ginsberg
E santo é o toque delicado do corpo dos amantes


Eu vi o sagrado
Ele me disse para me comunicar sem fronteiras com todos os viventes
Ele me disse que o poder é um afrodisíaco
O poder da alma e do corpo
Ele me disse para quando escrever sobre o sonho não olhar para trás
Para convidar o sagrado para o cotidiano morno e sem graça
Ele me disse que se pode viajar para lugares insondáveis sem sair do lugar
Que quando se ama de verdade
Todos os caminhos são possíveis
Todos conduzem ao nirvana 
Ao samadhi
À bem aventurança de que falam os cristãos
À bem aventurança que cantam os sátiros e boêmios
Ele me disse para perguntar sobre Deus sinceramente
Ou sobre uma Inteligência Cósmica
E enxergar Ele se movendo como uma metáfora viva e mutante
Na roda da natureza
Nos rostos das crianças
Na expressão e graça do animal
Na força primitiva
Além do bem e do mal
Na força bruta ou poder cru de que fala Iggy Pop 
E seu tesão pela vida
Ele me disse para não me cansar de perseguir meu sonho
E que ele está bem diante de meu nariz
Pronto pra ser descortinado


Eu tive uma visão
Ela me disse para acreditar em mim
Ela me disse que a mudança vem de dentro
E o resto vem por consequência
Ela disse para eu me entregar
À minha inteligência inata e cósmica
Que isso é se entregar à Deus
Com a minha intuição, sensibilidade e trabalho
Para eu me desarmar
Para perseguir de mãos vazias o horizonte
Ela me disse para entrar nu no reino


Eu então disse a mim mesmo:
Tenho de ser esperto da próxima vez
Tenho que me precaver 
Tenho que ter medo
E meu sonho disse "Basta"


Ele me disse que tudo vale a pena se alma não é pequena
Como disse Fernando Pessoa
Ele me disse para não me prender a nada nem ninguém
Nem a mim mesmo e meu ego
Ele me disse para despertar hoje cedo
Que o dia está prenhe de graças
Mesmo dormindo tarde, de madrugada
Ele me disse para me sintonizar com o alerta poético de Patti Smith 
Sobre a Fábrica de Mijo
E de como a sanha do mercado de trabalho mói o sonho dos artistas
Ele me disse para ouvir o apelo de Eddie Vedder do Pearl Jam 
Enfatizando "Ainda estou vivo"
Ele me disse para ouvir de Milton Nascimento
Fé Cega, Faca Amolada
E do Clube da Esquina sua ode à amizade universal
Ele me disse para me extasiar com os contos de Bruce Springsteen 
Sobre a classe trabalhadora em Nascido para Correr
Ele me sinalizou como o Clash 
De que são os melhores anos da minha vida 
Que eles querem me roubar ao Sistema Opressor e Consumista
Ele me disse para ir à luta e marcar meu ponto na justa
Como cantou Cazuza
Ele me disse para atender ao chamado de Jim Morrison dos Doors 
E irromper do outro lado
Ele me disse para ouvir a poesia do trompete cool de Miles Davis 
E do sax religioso de John Coltrane
Ele me disse para relembrar meus sonhos de infância 
Ouvindo o Tocador de Flauta nos Portões da Madrugada 
De Syd Barrett, do Pink Floyd
Ele me disse para absorver as palavras de paz de John Lennon 
Em sua derradeira entrevista à Rolling Stone

Ele me disse que o mundo está escancarado
E é preciso agarrá-lo ora frágil na ponta dos dedos
Ora febril com unhas e dentes
Ele me disse que toda revolta e ódio são surdos 
E que são um "crime" que não compensa
Que a vida é uma bênção
E que esse instante é um Instant Karma
Que irá me capturar
Como cantou Lennon
Ao dizer que todos são como estrelas
Ele me disse que não há uso na tristeza
A não ser pra fazer melodia e poesia
Que gente é feita para brilhar
Como cantou Caetano
Ele me disse que a conexão com o sagrado se faz diretamente
Sem necessidade de santos, intelectuais, poetas, referências cult
Nem ídolos pop
Ele me disse que o presente é de graça
Ele me disse que sagrado é qualquer trabalho
E qualquer aventura
Como Zorba, o Grego
Que santa é toda conquista
Como Alexandre, o Grande
Nos campos de batalha ou no amor


Eu me perguntei
Quanto estou disposto a pagar pelo meu sonho?
Quanto estou disposto a me sacrificar 
E me renunciar pela minha visão?
A visão me disse "Basta"


Ela me disse que é santa a malandragem e a ousadia
Que são todos irmãos no prazer e na dor
Ela me disse que há mais beleza no sagrado
Que podem abarcar os olhos ordinários
Os ouvidos ordinários
O tato ordinário
O olfato ordinário
Todos os sentidos quando ordinários
Não amplificados pela Nova Consciência e Sensibilidade
Em seu estado "normal"
Nem a razão
Pode ter a visão do sagrado
Ela me disse para dar graças a tudo que tenho
Mesmo sendo pouco
E a dar de graça
Compartilhar
Mesmo sendo escasso
E dar graças à minha inteligência e intuição
E dar graças ao meu corpo
E dar graças à toda fome de viver
Que a sede de viver é sagrada
Ela me disse que a melhor exaltação e excitação dos sentidos 
E da alma
É num estado espontâneo e natural
Ela me disse para não temer nenhum gênero
Nem homens nem mulheres
Ela me disse para não ter nojo das notícias publicadas na mídia
Mesmo as mais efêmeras
Mesmo as mais trágicas
E igualmente não temer as novidades do noticiário 
Particular subjetivo
A ver as coisas sem demasiado peso
E com suficiente graça que transcende
Ela me disse para não me envergonhar de meus erros
Para relaxar e recomeçar 
Me agarrando mais certeiro da próxima vez à minha visão
Ela me disse para não ficar ansioso demais
Balançando as pernas debaixo da mesa
Pois tudo de que é preciso é estar atento e motivado
E que a motivação é mais sagrada que o método
E a atenção plena para o novo, mais sagrada
Que o funcionar no piloto automático 
Ao atravessar o cotidiano abismo
Ela me disse para não temer o grande inverno e os dias de estio
Que é para eu me munir de entusiasmo genuíno por estar Vivo
Independente da minha idade e da minha pequenez
Ela me disse para encarar a jornada como uma grande aventura
Como uma criança ao acordar e ver o dia impune a ser vivido
Ela me disse que a verdadeira liberdade
Zomba do conceito de estar condenado à liberdade e à razão
Que liberdade é celebrar o corpo, a intuição, a inteligência 
O amor à vida, o tesão e o amor à humanidade e à natureza
O amor à arte e à faculdade criadora
Ela me disse que posso ser mais jovem hoje que ontem
Como cantou Dylan
Ela me disse que se eu viver de verdade
Produzirei frutos tão bons
Que não temerei a morte
Ela me disse que a vida é uma doação
E que a vida é uma dança
E que como toda dança
É preciso pisar ora suave, ora firme
Mas sempre com graça ou entrega


SKELTER - 15-3-11

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

QUEIXAS DE UM HOMEM BETA -OU- NÃO VENERO MAIS O SEU GÊNERO

                             
                                                        "Você diz a verdade
                                                         A verdade é seu dom
                                                         De iludir
                                                         Como pode querer
                                                         Que a mulher
                                                         Vá viver sem mentir"
                                                            Caetano Veloso
Te amar foi como orar para um deus de pedra
Acreditar em você... confiar em um conto de fadas
Você é lugar-nenhum
Não sentindo sua falta me sinto melhor
Livre me torno da sua tirania e dos seus caprichos
Quantas vezes me abri e desejei-te profundamente?
Quantas vezes tolerei sua imperfeição?
Fui ouvidos e me dispus a te apoiar na íntegra
Propus que um não dominasse o outro
Que governasse a compreensão e o diálogo
E você dispensou minha companhia como a uma pedra sem valor

Não reconhece minhas qualidades
Nunca tolerou minha fragilidade
Subestimou a minha força
Nunca admitiu o que tenho de singular
Você nunca me aceitou como eu sou
E eu não vou ser outra pessoa
Seu desprezo por mim agora já não me afeta
Não serei mais vítima da sua sedução barata
Nunca mais me enredarei nas suas provocações,
Na malícia do seu jogo
Não irá mais me trazer o enxame do seu ciúme
Nem irá, dissimulada, provocar em mim esse sentimento
Você se diz sensível mas é tal como uma pedra de gelo
Homens ferem com a força
Você fere com um decote e um olhar
Reclamou de te tratarem como objeto
Mas você também trata o homem como objeto
E quando quer o descarta com a mesma indiferença
Você engana tanto quanto um homem
E ilude até mais, com a precisão de uma profissional
Você só critica nos homens o machismo quando ele não te beneficia
Caso contrário você venera os cacoetes do machismo
Pois você é até mais machista
Na maneira como se precipita a desprezar um homem sensível ou que te quer bem, para terminar a noite com um cafajeste
Em como troca um cara legal por um babaca
O que te atrai mais: um semblante amoroso ou um cara com pinta de mau?
Em pleno século XXI você ainda quer ser caçada por um provedor?
Melhor pra você do que alguém que te valoriza é alguém que te patrocina?
Mas eu sou testemunha de que você se desmancha diante de um macho alfa e tosco
Você com seu critério de seleção banal estimula nos homens o machismo, a malícia, a repressão dos sentimentos
A sinceridade de um homem é trocada por uma retórica que não demonstra nada que não seja força, segurança e sucesso
Igualmente em contradição você critica a obsessão masculina por sexo
A sensibilidade de um homem e sua cultura valem pra você bem menos do que sua quilometragem sexual!
Você ainda tacha de gay o cara que não quer ir com você pra cama?
Reclama de o homem se interessar muito em você pela aparência, mas você discrimina pela aparência, e muito
Na sua fantasia anacrônica você é uma Barbie e encontra um príncipe encantado
Ao ver seu feminismo julguei que você era sensível e generosa e que repudiava os homens vis
Perceber sua natureza real foi pra mim como um segundo e doloroso parto
O que temos mesmo em comum?
Você usa a liberdade e igualdade para devolver ao homem a mesma moeda: manipular, usar, descartar
O uso que faz do seu poder de sedução demonstra que é tão perversa quanto o homem canastrão que te seduzia
Para você, mais importante que o amor é o jogo do amor
A dissimulação em você e no tipo de homem que te seduz é mais válida que a cumplicidade

Sua voz já não soa como o canto de um pássaro, bela
A sua beleza oprime
Seu sexo já não tem o poder de me governar
Seu amor é limitado e exigente
Hoje já não me importa envelhecer sem ele
Exorcizei a necessidade da sua companhia
Conquistei a alforria desse desejo oceânico
Não irei mais suplicar pelo seu nome: Mulher

Mulher,
Sua expressão lacônica demanda de mim mais que a presença da minha alma,
Mas uma afetada performance de conquistador, não muito diferente de um vendedor de eletrodomésticos ou um político piegas
Esperando ser passivamente cortejada na sua torre de marfim
Onde escolhe quem vai pra seu domínio e quem vai pra guilhotina
Produzindo-se com tamanha afetação quando tudo que eu mais queria admirar em você é o calor da sua pele, o brilho no olhar e a força do seu afeto

5nov2011

sábado, 22 de outubro de 2011

THE WHO E O ESPÍRITO BUSCADOR DE PETE TOWSHEND

The Who foi uma das bandas fundamentais na evolução do rock, desde suas letras contundentes e espertas a seu apelo no palco, passando pelas várias transformações que influenciaram desde o punk e hard rock ao rock-art.

Em 1963 na Inglaterra usavam o nome High Numbers, referência ao público com que se identificou de imediato, os mods. Não, os mods não são uma piada infame com o absorvente feminino, mas um grupo de jovens da pesada, uma gangue que se vestia de moderno, com terninhos à lapinha, ao estilo Beatles no começo do beatlemania, andavam de motos e guerreavam com a outra gangue da cidade, os rockers, com visual mais roqueiro, de jaquetas de couro e roupas pretas. Ambos piravam em anfetaminas e os mods eram apaixonados pelo blues e soul americanos.
Os High Numbers mudaram logo seu nome para o humorístico e espirituoso The Who, onde sempre algum retardado pergunta “- quem?”, “- Who”, “- quem?”
Faziam um som enérgico e juvenil que ficou mais esporrento com a entrada do baterista lunático Keith Moon, que segunda consta, impressionou os outros integrantes ao dizer que podia provar que podia tocar mais que seu baterista. No seu primeiro teste moeu a bateria e ganhou o posto.
The Who era um amálgama de personalidades bem distintas que sabe-se lá como deram certo. No palco eram um acontecimento. Pete Townshend, o cabeça (e narigudo) que ficava possesso no palco, rodopiava seu braço rápido como hélice e dava pulos acrobáticos com a guitarra. Keith Moon que espancava seu kit de bateria como se turbinado por uma pilha Rayovac. Roger Daltrey, o ex-metalúrgico, vocalista da banda, que encarnava o cavalo das composições de Townshend e costumava girar o microfone pelo fio como se fosse enlaçar alguém da platéia. E pairando zen, enquanto todos enlouqueciam, John Entwistle, o baixista super centrado e quieto em meio ao redemoinho. Esssa formação tocou em quase todos os lendários festivais de música dos anos 60-70, incluindo Monterrey Pop Festival, Woodstock e Ilha de Wight.
Num de seus primeiros shows Pete Towshend, o guitarrista-compositor-letrista da banda, jogando sua guitarra pro alto pra causar um efeito cênico chocou-a contra o teto baixo e contrariado promoveu uma das cenas mais marcantes do rock: irado, despedaçou sua guitarra. Tal ato não passou batido pois daí em diante seriam requisitados a quebrar seus instrumentos ao final dos shows. Não só a guitarra era alvo do possuído Pete Towshend mas a bateria de Keith Moon, com direito a um explosivo acoplado no bumbo. Mas se tais gestos podiam causar uma “big sensation” na platéia, também causaram muitos endividamentos ao longo da década de 60 para a banda, afinal; haja grana pra comprar tantos equipamentos, isso quando não roubavam de lojas.
Em 1965, lançaram seu primeiro disco, Who Sings My Generation, que continha entre suas odes à juventude e letras ligeiramente subervisvas, o clássico absoluto My Generation, em que Pete Towshend teria que responder em inúmeras entrevistas mais velho sobre a seriedade do verso “Hope I die before get old” (Espero morrer antes de ficar velho). A música ainda traz um inesperado solo de baixo de John Entwistle, considerado um dos maiores de sua geração no instrumento, numa época em que o baixo só servia pra acompanhar a cozinha, raramente na linha de frente de uma música.
Em 1966 lançam outro grande disco dessa fase mais ensolarada e despretensiosa, bem-humorada e rock’n’roll, A Quick One. O título é uma alusão à música A Quick One, While He’s Away, uma primeira tentativa de fazer rock mais pretensioso, que se tornaria marca do Who dali em diante, com sua suíte de trechos musicais e duração de 9 minutos. Um prenúncio do que estava por vir. Ainda em 1966 lançam o single Substitute, clássico que sobreviveu à sua geração sendo reverenciada em gravações pelos padrinhos do punk Sex Pistols e Ramones.
Veio 1967, o ano-mor da psicodelia e experimentação no rock e The Who não ficou imune a esses ventos. Lançaram o disco Who Sell Out (algo como Who Se Vendeu) brincando desde a capa com a idéia de uma banda como objeto de consumo e posando vendendo produtos bizarros. O disco foi feito como se fosse uma transmissão de rádio pirata e podem ser ouvidos entre as faixas anúncios de produtos fictícios. Na musicalidade, se sofisticavam, incorporando a psicodelia e sons mais melódicos. Considero esse o melhor disco até então, embora há quem prefira os primeiros trabalhos, mais porrada e diretos, que influenciaram o punk e muito do rock que é feito até hoje, despretensioso.

Tommy e a popularização da ópera-rock

Em 1969, após um ano sem lançar disco, lançam uma obra grandiosa que deixou a todos de queixo caído, principalmente os hippies nerds e sua sede de descobrir a simbologia por trás do disco. Tommy, um disco duplo, se tornou um marco não por ser o primeiro disco de ópera-rock, mas como o primeiro a popularizar o formato. Mas o que é um disco de ópera-rock? Ah, ãhn, podemos dizer que é um disco que conta uma mesma estória por entre suas faixas, um disco amarrado por um conceito ou idéia. Entendeu?! Bem, muita gente deve ter quebrado a cabeça tentando entender a profundidade do disco que conta a estória de um garoto cego-surdo-mudo que por força de uma intuição se torna campeão de pinball (mais uma referência ao mundo pop e também à idéia de iluminação espiritual) e logo é convertido em um guru das massas. Mas não se preocupem com a estória, a música é maravilhosa, e as sessões instrumentais soberbas. Tommy é o disco que catapultou The Who para o primeiro escalão do time do rock na imprensa e público. E muitos aleijados faziam questão de chegar nos camarins do Who para pedir curas milagrosas! Anos depois, o disco ganhou uma versão cinematográfica com participação de astros como Eric Clapton e Elton John. Boa oportunidade aos brasileiros de conferir o que dizem as letras e verem se interpretem algo consistente.

Os anos após Tommy: consolidação e art-rock

The Who era considerado uma lenda ao vivo e não é pra menos a conjugação de personalidades tão ímpares e diferentes no mesmo palco. Aliás, minha primeira grande identificação com a banda foi ao ver o vídeo 30 Years of Maximum Rythm and Blues, uma coletânea de shows desde o começo da carreira.
Na década de 70 seu som foi ficando mais hard ao ponto de ser considerada pelo Guiness a banda que toca mais alto. Um registro que se tornou um marco foi feito de uma apresentação do Who na Universidade de Leeds contando com clássicos de seu repertório e versões apimentadas de clássicos do cancioneiro rock e blues como Young Man Blues, Summertime Blues e Shakin’ All Over. Versões bem expandidas do LP Live At Leeds de 1970 foram lançadas na era do CD.
Ainda desse ano é o lançamento do single The Seeker (O Buscador), que dá título a esse artigo e expressa bem o espírito inquieto do líder Pete Townshend em busca de uma verdade transcendente: “I asked Bob Dylan / I asked the Beatles / I asked Timothy Leary / But he couldn’t help me either” (Eu perguntei a Bob Dylan / Eu perguntei aos Beatles / Eu perguntei a Timothy Leary / Mas ele não pôde me ajudar também), “They call me the Seeker / I’ve been searching low and high / I won’t get to get what I’m after / Till the day I die” (Eles me chamam de o Buscador / Eu tenho procurado pra acima e pra abaixo / Não vou conseguir achar o que eu procuro / Até o dia que eu morrer).
Logo Pete Townshend tinha em mente expandir suas idéias musicais em mais uma ópera-rock, mas dessa vez os outros integrantes, afeitos ao formato rock básico bateram o pé. O que se seguiu foi uma tentativa vã de Pete Townshend de convencê-los e uma crise de exaustão nervosa. Mas do que restou de Lifehouse, como se chamaria o disco, surgiu, sem uma forma conceitual, o disco mais popular e aclamado pela crítica, Who’s Next, em 1971. Nele, Pete Townshend está influenciado pelos ensinamentos do guru indiano Meher Baba e faz um uso inovador para o rock de sintetizadores, como pode ser verificado na música We Won’t Get Fooled Again. Também desse disco há uma pérola de balada, a música mais conhecida deles em terras tupiniquins, Behind Blue Eyes, de que depois foi feita uma versão conhecida de Limp Bizkit, que não conta com a parte mais agressiva e clímax da música. Do disco Who’s Next recomendo a versão que tem faixas bônus, músicas que seriam lançadas no projeto da ópera-rock e que figuram de igual para igual em qualidade no repertório original do disco.
Após esse sucesso, Pete Townshend conseguiu dobrar seus companheiros para fazer mais um disco de ópera-rock. O que seguiu é uma história prodigiosa das aventuras e desventuras de um garoto mod em 1963, sua busca por prazer em anfetaminas, brigas de rua, garotas, motocicletas, os conflitos familiares, o mercado de trabalho e uma crise existencial. Embora não seja tão exuberante musicalmente quanto Tommy, o disco Quadrophenia, de 1973 e suas letras figuram como uma verdadeira obra-prima do Who, que também foi adaptada pro cinema e que recomendo, principalmente pra quem tem dificuldade em traduzir as letras, muito fortes e existencialistas, prenunciando The Wall, outra grande ópera-rock existencial, do Pink Floyd, em alguns anos.

Declínio criativo do Who e morte de Keith Moon

Nos anos seguintes, estabelecidos como grande mito do rock e vivendo dilemas mais adultos, The Who lançou discos menos inspiradores, a começar por Who By Numbers, de 1975, que não chega a ser ruim, mas não faz sombra aos melhores tempos. Em 1978, é lançado Who Are You, disco com influências mais eletrônicas, mais fraco que o anterior.
Mas no mesmo ano uma tragédia acomete o mais alucinado e carismático dos membros do Who: Keith Moon é morto por uma dose acidental de um remédio prescrito pra seu alcoolismo.
A banda segue em frente e lança dois discos mornos no começo dos anos 80, Face Dances (81) e It’s Hard (82). Em seguida a banda anuncia uma lucrativa turnê de despedida mas turnês de despedida e de aniversário sem lançamentos originais acabam manchando um pouco da reputação da banda.
Em 2002 é a vez de John Entwistle ser encontrado morto após overdose de cocaína.
Ainda assim, com apenas 2 membros originais, Pete Townshend e Roger Daltrey, lançam em 2006 o disco Endless Wire com recepção cética da crítica.

O legado do Who

Apesar de o auge criativo do Who ter se dado até 1973, com Quadrophenia, é inegável que a banda se tornou símbolo do que o rock representa de irreverência, ambição criativa e vitalidade. Seu campo de influenciados é vasto passando pelo punk, principalmente pelo grupo The Jam, pelos brasileiros do Ira, e até do grunge do Pearl Jam, além de incontáveis bandas que utilizaram como matéria prima seu legado inicial e mais direto como os sulistas do Cachorro Grande. Seu repertório da fase mais ópera-rock é inimitável. Vida longa ao Who!

domingo, 20 de março de 2011

MELÔ DO DINHEIRO

Oh Dinheiro
Vou abordar a vida
E quero que você seja minha compainha
Grana, grana
Seja cúmplice na trama
Seja meu dono, seja minha dama
Rainha dos vícios
Lícitos e ilícitos

Dinheiro permita-me viver e deixar morrer
Permita-me uma morte com pompa e circunstância
Após uma vida de excesso e indulgência
Dinheiro permita-me ser mais experimental do que abstrato
Mais pragmático que teórico
Mais adaptado que redigindo manifestos
Me dê o direito de quebrar a cara de verdade e me desiludir
Com vivências intensas em vez de voos na rotina
Dinheiro deixe minha garota ir embora pois estou sentado no topo do mundo
Permita que sem burocracia eu diga orgulhoso I don't care, je ne regrette rien

Ô saco
essa vida de migalhas
sapos, aventuras vãs
Mergulhos efêmeros
despojadas esperanças, irmãs da descrença
expectativas noturnas de cara limpa
sem nicotina
sem beijo na boca
Resistindo teimoso até madrugada
sem carona esperando meu Mercedes lotado
com pivetes me encarando do outro lado da rua
desejo de ir
ao show
de dar um show
Do lado de fora eu escuto e é gol, gol
Um lugar apertado na arquibancada ou geral
Teatro dos resignados, contraindo um efeito moral
Lendo sobre a vida que passa no jornal
A TV como entidade maior de comunhão
Chorando desconto, catando moedas no chão
Ah vida loka
repleta de possibilidades impossíveis
Sonhos, vertigens,
cheios de limite, sem convite
Loucuras sem patrocínio
Devaneios sem abrigo
Quero ter direito à monumental ressaca
Eu também quero gozar
Eu também quero Mick Jagger
Eu também quero Iggy Pop
Eu também quero santos ídolos do excesso que beijaram a morte aos 27
Oh lua cheia
de merda, mais uma vez sua luz me ilude ilesa
Eu também quero viajar para todos os sentidos
Eu também quero me chapar e não ficar enrustido
Eu também quero desfilar com roupas desleixadamente caras
num carro vintage ao som de um dinossauro do rock
que em vez da poluição do fake carioca
toque o submarino amarelo
nas ruas que transbordam seu apelo
Me deixe ficar alto dando uma volta sábado
Por essas esquinas que abrigam especulação sexual, euforia e demandas reprimidas
Quero em vez de roupas usadas do meu irmão mais velho,
trajes sob medida, customizados, da grife que leva meu nome
Eu também quero me vender
Quero ser um produto
Oh droga
de não possuir droga nenhuma
Oh Dinheiro
Dê um jeito no meu cabelo que cai
Infla de músculos meu corpo esquálido
Me dê um olho de cada cor
Me faça até andar diferente
Já chamei meus amigos pra festa
Disseram que estão sem dinheiro
Empolguei demais, quanto deu a conta?
Vamos rachar mas intera a minha grana
Oh Dinheiro
Legitime meu direito
de ir e vir
Pode ser de Nova York a Nova Délhi
Ou só pra ir de carro até a esquina
Oh Dinheiro
Não é por um minúsculo voto e um direito de expressão sem mídia
Que uma cidadania é plena
Um cidadão só é um pleno cidadão enquanto consumidor
Faça-me importante para o sistema
Sentado sem fazer nada à beira da praia
Mas circulando a moeda, incentivando no mercado a oferta
A principal função social não é trabalhar, é consumir
E eu que dou duro pra ganhar um salário de miséria,
Valho menos que um vagabundo com nota
Oh Dinheiro
Nunca ganhei de você um tapinha nas costas
Que te fiz de mal?
Por que não nos encaramos olhos nos olhos?
Façamos um trato
Eu te juro ser aliado da grã-ordem capitalista
E você autentica minha complacência
Juntos iremos combater o desemprego
Com um empregado para cada capricho
Faça-me sentir um rock star
Torne real meu alter ego
Ponha-me na coluna social
Faça-me irreconhecível pra mim mesmo
Oh Karma
Oh Dharma
Oh Dinheiro
Onde estás que não me ouve?
Quer me converter
num ateu
num socialista
num anarquista
num beat
num hippie
num punk
num terrorista?
Num funcionário público com estabilidade?
Quer me converter num ladrão
Num operário padrão
Num suicida com um bilhete escrito loser?
Oh Dinheiro
Minha arma está carregada
Minha alma tem ressentimento
Meu espírito sente inveja
Odeio celebridades porque não compartilhamos do mesmo karma
Nem tenho um mísero papel nesse teatro de vampiros
Oh Dinheiro
Você é o maior afrodisíaco
Com você não passo as noites sozinho - na cama
E nem me importo em ser amado pela grana
Dinheiro
Seja a minha religião pagã
Meu fantasma trafega sem fé
E o paraíso é mais embaixo
Converta a desgraça
em alguma forma
de graça
DE GRAÇA


SKELTER - 20 março 2011

quinta-feira, 10 de março de 2011

UTOPIA (QUERO OS JOVENS NAS RUAS)

Quero novamente os jovens nas praças
Oferecendo flores aos guardas
Quero novamente os jovens nas ruas
A memória do avesso do avesso nua
Que delicada celebra pequenos feitos
E não se cala diante de censuras caducas

Meninos nascendo da orgia 
Feita na chuva e lama de um consagrado festival
Um Woodstock sem fim nem começo

Roupas coloridas místicas
Compondo o carnaval de infinitos estilos

Queimar num mutirão sutiãs e roupas íntimas 
De um passado vergonhoso e moralista

Recitar o poema que abençoa a violência do coração 
Contra o que é deveras sólido e grave

Banhar no rio em que nos esquecemos do nomes
Para reaprender o que somos 
Ao sabor do vento e das flores
Pintando o quadro da vida e do amor
Em um êxtase sem pressa e duradouro

Assassinar o relógio que repousa no coração do mundo
Um ato terrorista contra o relógio que monta guarda na superfície do meu rio
Que corre infinito por vias
Rotas alteradas
De cardumes de amor, de espasmos

E ano a ano celebrar uma festa ao pé do túmulo da saudade

Quero abençoar o casamento da luz com a poeira
Da beatitude e do efêmero

Dançar pra afastar as nuvens 
Que carregam o sangue dos antepassados 
Mortos em batalhas sem razão
Feitas do cumprimento de missões estéreis, 
Religiões caducas
Moral do trabalho sem coração
Violar a academia com o perfume jovem
Inocentar os escorpiões e serpentes
Tragar a fumaça de ondas místicas
Do contato direto com Deus pela Arte & Natureza

Moralismo e consumismo
Um dia banidos da graça onipresente da dança
Não viver pelo dever
Nem o dever de ser feliz
Ser triste se quiser
Mas ser sobretudo autêntico e amoroso

Ser uma ponte para o mundo em que toda criança tem um reino
E o homem se orgulhe de ser descendente de uma árvore

O novo educa o velho
Tem sido desde o fim esse princípio
Sede de viver, de criar e renascer
Reconstruir das ruínas de um mundo caduco
Uma aldeia sem fronteiras e países

O nobre cubra de cinzas o altar do progresso insustentável
O homem ore para o Deus subversivo
Que mora nas montanhas altas como a coragem de um falcão
Que mora nas fontes de água límpida como a mente aberta

E o homem distancie-se das orações ao deus moralista
Que mora no amor ao temor,
Na conversão do íntimo a pecado 
E do prazer a constrangimento

Minha revolução não se compactua com o eterno Amanhã
Nem da Ordem, do Progresso nem do Paraíso Celestial

Minha política não se projeta com sangue, suor e lágrimas
Que de lutas inflamadas por slogans
Estamos devorados
De lutas orquestradas por partidos e corações ressentidos
Estaremos fadados a uma loucura estéril

Não há perda em amar e criar laços no instante
O Aqui-Agora é morada da grande e única mudança

Individual é a mudança, repercutida no coletivo

A espontaneidade e o amor ditam a obra

Ecologia e poesia na ordem do dia

A educação flui do afetivo para abraçar conexões complexas
Matemáticas, tecnologias de baixo custo
Banquetes anarquistas filosóficos, estéticos
Arautos de uma gaia ciência

Que não lesa a natureza
Divina como um pote de mel
Dialética como um vento na curva da estrada

Como círculo que se expande na água 
Quando se lhe atira uma pedra
Todo círculo está fadado a se expandir e se desfazer
Que nenhuma mudança se pretenda permanente

Que nenhuma lei se pretenda imutável
E mudanças sutis e amorosas componham o palco terno de uma vida libertária 

Em comunhão com o Sol e as estrelas
Em atino com o relógio do corpo
Com as estações caóticas do inconsciente
Com a força não represada do instinto
Com a saliência de uma razão que não se pretende o único farol
Com o poder inquebrantável da comunhão
Amem


SKELTER - 6-11-2006

quarta-feira, 9 de março de 2011

YES, NÓS TEMOS POESIA (PRA QUEM?)

Quem tem boca vai em cana
Quem é o padroeira da pala?
Quem é o santo padroeiro da revolta?

Estou cansado da cultura de possibilidades impossíveis
De possibilidade inauditas

Estou cansado de conveniências obcenas
De normalidade absurda
De racionalidade extremada 
Irracional razão

Estou cansado do aviãozinho que não decola
Da barca que naufraga

Quem tem alma não bate palma
Pois sua arte não está em cartaz

Quem tem amor no peito colhe desprezo
E não é pra variar

Estou e me restou
Cansado da desutopia
No trópico pseudo-tropicalista, 
eu, poeta esfomeado de amor
De posse de tíquetes vencidos para o direito de ir e vir no coração dos homens

Yes, nós temos banana
Yes, nós temos poesia
Pra ninguém ler
Nem publicar
Yes, nós temos visão musical
Pra ficar apenas na retina dos ouvidos
No, não temos revolução não televisionada
Ou será que temos?
Por ora sou o único alistado
No, no, não temos amor
O afeto é algo pelo qual se paga muito caro e arbitrário
Tem que ter carro
Ser bombado
Ser um conveniente
Chefe de turma
Status

Quem, homem de sensibilidade, poesia, musicalidade 
e autêntico
Colhe desprezo do sexo cada vez mais fresco, fútil e cada vez menos frágil
Junte-se a mim em um poético motim
Quem tem amor pra dar
Fruta que dá o ano inteiro
E colhe desprezo
Fruto que dá o ano inteiro
Debaixo de chuva e sol
Inverno e carnaval
Sem guarda nem chuva de beijos
Sem Caetano pra apadrinhar

Yes, nós ainda temos amor e poesia no peito
Até quando?
E mesmo quando dançamos, 
nós acabamos dançando
Decolando sem sair do lugar

Sem sair dos planos
Por debaixo do pano
Escondendo a mágoa e o desgosto
e se pudéssemos não nos varreríamos pra debaixo desse tapete majestoso

Yes, nós somos pró-capital
Yes, nós somos pró-lixo
Damos tiro no pé em apoiar uma democracia em nada democrática

Sem ONG pra nos reciclar
Yes, salve as baleias que estão sem dieta
Salve as tartarugas sem pressa

Sigamos um bom exemplo
No mundo de fôrma, que deforma nossa correria insana
Em atitudes mecânicas
Conveniência na lata
Padronização de gestos e atitudes
Silêncio pontual
Bossal indiferença no tráfego de amizades

E salve sobretudo os poetas e românticos
Espécie ameaçada de implosão

Tombe esse patrimônio: a sensibilidade
Ameaçada pela governanta Indiferença
Ninguém dá bola

Salve a sensibilidade do jovem, adolescente, criança
E do adulto teimoso em ser sensível
Em não jogar papel fora do lixo

E quando todos os seus pares o desertarem e já nascerem cabelos brancos na sua cabeça não branda
E nascer pêlo no umbigo
Salve a utopia!
Que não morreu há 40 anos na França De-Gaulle-ada
De-Gaulle-ada
Salve o instinto coletivo
Ameaçado pela educação careta universitária
Pela classe de psicólogos e psiquiatras 
que estão imunes de receberem de um filósofo sadio 
um diagnóstico preciso 
pra sua rigidez retórica
Psicólogos e psiquiatras que dizem o tempo todo:
Se adapte ao mundo
Seja conveniente
Segure sua bronca e solidão
E tome tarja preta

Salve o instinto de utopia
Ameaçado pelos colegas sem imaginação no lazer
Que só se encontram quando há bar
E conversa pra jogar fora
Tomam cachaça barata
E te olham assustados se você falar de flores
Em tempos em que a ditadura está na mente
Na conveniência, no consumismo, 
na partilha do álcool sem assunto

E por falar nisso
Salve o mendigo bêbado e lírco
Que você ignorou, fedendo, aí do seu lado

Yes, nós temos poesia (pra quem?)
Pra ficar guardada no blog
Pra todo mundo ignorar no facebook
Pra não trazer nem reconhecimento no Sarau Vira-Lata
Pra não ser publicada
Pra não ser musicada

SKELTER - 8-11-2008

ORAÇÃO AO SOL

                                               "Sei que nada será como está
                                                Amanhã nem depois de amanhã
                                                Resistindo na boca da noite
                                                Um gosto de sol"
                                               (Milton Nascimento / Ronaldo Bastos)

Sol
Dispersa essas nuvens de manhã
Ofereça teus raios claros
Banhe-me de bênção e carícia 

Chegue-se de mim
Toque meu corpo teu fulgor
Que não gasta nem se esforça
Envie teu calor
Criva de raios minha crista
Sou tua sentinela
De áurea energia me anima

Mande-me do céu
Tal qual um deus que liberta
Como a chuva que afaga
Tal qual uma cura:
Total afeição
Pra que eu luza na escuridão
Pra acender o meu brasão
Pra que eu vigore ns dias de estio
Para que eu brilhe no escuro e entre seres de breu

E não me mostre o caminho
Que é perto, que é longe
Definir - indefinido
É amplo, infinto
Que eu sei por ti - Iluminado


Na aurora me desperte
Acordo contigo no belo horizonte
Quando se põe, declamo versos
Me deito quase só,
Peito de fogo e de beijos
Da fonte imaculada de teu seio

Milagre da vida - tu realizas
E ao cantar terias
A voz de Milton                                       
Sinuosas montanhas de Minas

Quando ainda diurno
Entrego-me na calçada,
Calor, vento, nuvens
Tu Astro Dourado trajado de amarelo
Dá-me o gosto saudoso da criança
Estado bruto da amoral infância

Teus olhos sobre mim não me afugentam
Como o deus da morte ou da manada
Antes confortam, silenciam
sei que sabe de tudo
-teu fogonão sabendo de nada
-sem julgo



Skelter - 11-7-2008

sexta-feira, 4 de março de 2011

POR QUE NÃO VENDER A MORTE - a Rogério Skylab

Por que não vender a morte?
Se ela é legal
Se ela é tão banal
Se tantos querem
Por que não vender a morte

Picado cigarro
Veneno letal
Bomba de hidrogênio
Efeito moral
O bem e o mal
Quarto poder
Presunto no jornal

Por que não vender a morte
Se ela é legal
Se ela é tão banal
Se tantos querem

É tão banal
Mendigo na praça
Ambulante no sinal
Aborto elétrico
Mulher pelada
Fofocas do astral
Sufoco a crediário
Caixão garantido
Plano B de saúde

Por que não vender a morte
Se ela é legal
Se ela é tão banal
Se tantos querem

Vermelho ou azul
Escolha sua pílula
Aquecimento global sem filtro

Rap com fome
Hardcore no máximo
Glicose no talo
Diabete diabina
Por que não vender morfina?
Sexy e toxina
Cocaína diluída
Cannabis sativa
Junk pros pedreiros
Herói e Heroína
Imita Keith Richards

Por que não vender a morte
Se ela é legal
Se ela é tão banal
Se tantos querem

Aperto de mão
Tapinha nas costas
Chute do patrão

Cachaça de 1 real
Fast food
Fast life
Morra jovem
Coma alcoólico
Sexo sem camisinha
Decolar no carnaval

Morte cerebral
É novela e hollywood
Big brother e William Bonner
Eutanásia a prestação

Indústria pornô infanto-juvenil
Indústria da fome
Salário mínimo
Aluguel atrasado
Cigarro sem filtro
Esgoto sem sanítário

Por que não comprar a morte
Se ela é legal
Se ela é tão banal
Se tantos querem

Skelter - 13-1-2011

UM PONTO DE VISTA PESSIMISTA SOBRE O AMOR

Não existe amor como idealiza-se
O que existe é cooperação
União de dois seres fortes ou fracos que se identificam na ferida
Não existe amor
O que existe é contrato
Não existe amor
O que existe é solidariedade orgânica
Não existe amor
O que existe é medo de solidão, de desamparo, convertido em afeto
Não existe amor
O que existe é propaganda religiosa
Não existe amor
O que existe é ideologia muleta ressentida
Ou vaidade intelectual que projeta o inconsciente pra se sentir superior a quem "não ama de verdade"
Não existe amor
O que existe é libido
Não existe amor
O que existe é mito, fantasia, refúgio de presas
Não existe amor
O que existe é vingança contra o desafeto,
Conspiração contra o egoísmo do mais forte
Não existe amor
O que existe é dificuldade de sentir poder ou segurança diante do outro
Ou autenticidade de homem vil ou dificuldade de libido
Os valores de "amor" e da "humildade"
Servem muito mais para os fortes domesticarem os homens
E sua sede de conspiração
E aos fracos a se adaptarem à sua vida de formiga
Domesticam sua potência, a vitalidade que vem da sua agressividade, instinto, libido, Energia
Servem pra dividir o homem
Para que ele não aja como um lobo do homem, que ele de fato é
O amor é uma coleira pra não ameaçar morder o poder nem desestabilizar ao bel-prazer o casal onde o elo é inseguro
A melhor forma de subjugar um inimigo
É inventar um outro inimigo para ele
Um inimigo interno
Assim se subjuga sua força com sua esmerada e afetada delicadeza
Assim o inimigo dispersa sua ENERGIA
Lutando contra SI MESMO
Em vez de ter unidade, consciência de si animal
De sua natureza, intuição, desejo e ambição
Coerência interna
Não existe amor
O que existe é poesia e sentimentalismo
Complexo de édipo mal resolvido
Pieguice
Catarse de um sofrimento prolongado solitário e projetado num outro
Reflexo no outro da própria ferida
Forma sutil ou grosseira de estoicismo
Forma sutil de ter o outro em seu laço, em seu cardápio
Modo de arrendar o coração alheio
Modo de perpetuar a espécie
De garantir o desenvolvimento da prole
Amor é um escudo
E pode ser uma lança contra os "maus poderosos e egoístas"
e os sensuais
Não existe amor
O que existe é um sentimento de fragilidade
E a criação de uma muleta para caminhar na selva de pedra
Onde cada um compete pelo seu espaço
O amor é um tratado de não agressão entre seres cansados
Em que decide-se alienar sua vontade de predador e idealizar a consciência do outro predador
Em troca de segurança, proteção, aceitação, aliança
Por fim, o amor é uma droga
Como cigarro, álcool e açúcar, vicia e mata

A VIDA COMO UM SOLO DE BLUES - homenagem a Jimi Hendrix e mestres do lamento negro

Estava pesado
Tenso
E pálido
Chegando em casa
Ouvi um lamento
Decidi dar um tempo
Lamento negro

"Neura 
Fala em  mim
Soa mais forte 
Que um solo de Jimi
E me console"
1000 decibéis de blues 
Minha calma angústia
A melodia da guitarra 
Penetrou na sala 
Coração cansado
Rabugento peito
Derreti horas a fio 
Lamento negro

Mestres do blues
Anti-herois de tez parda
Sinto a melodia
Colorir minha sala
Morra comigo blues
Minha cruz suaviza
Alma rebelde e cativa
Lamento negro

Relaxando a cuca 
Agindo devagar
Compasso 4 por 4
Uma coisa de cada vez
Prazer de viver
Celebração no cantar
Já não sou tão cativo
Lamento negro

Respirando tranquilo
Contagiado 
Pelo lirismo 
Pulsante, vivo 
Do solo de blues

(solo)

Vou sair de casa
Não volto tão cedo
Agora não sou tão só
Lamento negro

Preparo um drink
Sinto a brisa à janela
A vida está além 
De toda correria 
A vida está além 
Da paranóia
Sirva-se do meu peito
Esqueça a noite inglória
Lamento negro

"Perto do coração selvagem"
Ritmo introspecto 
Cada coisa segue seu pulso
Pensamentos, sentimentos 
No compasso desse blues
Lamento negro

Sem tanta pressa
Sem correria 
A consciência manifesta
Uma leveza
A consciência
Cumpre o dever com graça
E o olhar
Mais doce 
Tangencia 
Humanidade 
Em vez de urgência
Lamento negro

Seguindo meu ritmo
Nunca mais vou tirar 
Esse blues do meu peito
Nem me abandonar 
Esse canto negro

Venha o que vier
Desabe o céu
Seja violento
Convertam em inimigos
Sou mais compacto
Que um tufão
Uivo pra lua
Rastreio no chão
Lamento negro

Ainda que eu trema 

E tropece
Caminhando sereno
O que vem de dentro 
E age calmo
Fala soberano
Mesmo que tenha dor 
Ou fardo
Seja jovem ou velho
Lamento negro

E os solos de blues 

Que executar
Minha carência
Labuta e sina
Celebração da estrada
Cicatriz e sossego
Sem pressa, sem medo
Lamento negro

SKELTER - 16-6-2005