sábado, 22 de outubro de 2011

THE WHO E O ESPÍRITO BUSCADOR DE PETE TOWSHEND

The Who foi uma das bandas fundamentais na evolução do rock, desde suas letras contundentes e espertas a seu apelo no palco, passando pelas várias transformações que influenciaram desde o punk e hard rock ao rock-art.

Em 1963 na Inglaterra usavam o nome High Numbers, referência ao público com que se identificou de imediato, os mods. Não, os mods não são uma piada infame com o absorvente feminino, mas um grupo de jovens da pesada, uma gangue que se vestia de moderno, com terninhos à lapinha, ao estilo Beatles no começo do beatlemania, andavam de motos e guerreavam com a outra gangue da cidade, os rockers, com visual mais roqueiro, de jaquetas de couro e roupas pretas. Ambos piravam em anfetaminas e os mods eram apaixonados pelo blues e soul americanos.
Os High Numbers mudaram logo seu nome para o humorístico e espirituoso The Who, onde sempre algum retardado pergunta “- quem?”, “- Who”, “- quem?”
Faziam um som enérgico e juvenil que ficou mais esporrento com a entrada do baterista lunático Keith Moon, que segunda consta, impressionou os outros integrantes ao dizer que podia provar que podia tocar mais que seu baterista. No seu primeiro teste moeu a bateria e ganhou o posto.
The Who era um amálgama de personalidades bem distintas que sabe-se lá como deram certo. No palco eram um acontecimento. Pete Townshend, o cabeça (e narigudo) que ficava possesso no palco, rodopiava seu braço rápido como hélice e dava pulos acrobáticos com a guitarra. Keith Moon que espancava seu kit de bateria como se turbinado por uma pilha Rayovac. Roger Daltrey, o ex-metalúrgico, vocalista da banda, que encarnava o cavalo das composições de Townshend e costumava girar o microfone pelo fio como se fosse enlaçar alguém da platéia. E pairando zen, enquanto todos enlouqueciam, John Entwistle, o baixista super centrado e quieto em meio ao redemoinho. Esssa formação tocou em quase todos os lendários festivais de música dos anos 60-70, incluindo Monterrey Pop Festival, Woodstock e Ilha de Wight.
Num de seus primeiros shows Pete Towshend, o guitarrista-compositor-letrista da banda, jogando sua guitarra pro alto pra causar um efeito cênico chocou-a contra o teto baixo e contrariado promoveu uma das cenas mais marcantes do rock: irado, despedaçou sua guitarra. Tal ato não passou batido pois daí em diante seriam requisitados a quebrar seus instrumentos ao final dos shows. Não só a guitarra era alvo do possuído Pete Towshend mas a bateria de Keith Moon, com direito a um explosivo acoplado no bumbo. Mas se tais gestos podiam causar uma “big sensation” na platéia, também causaram muitos endividamentos ao longo da década de 60 para a banda, afinal; haja grana pra comprar tantos equipamentos, isso quando não roubavam de lojas.
Em 1965, lançaram seu primeiro disco, Who Sings My Generation, que continha entre suas odes à juventude e letras ligeiramente subervisvas, o clássico absoluto My Generation, em que Pete Towshend teria que responder em inúmeras entrevistas mais velho sobre a seriedade do verso “Hope I die before get old” (Espero morrer antes de ficar velho). A música ainda traz um inesperado solo de baixo de John Entwistle, considerado um dos maiores de sua geração no instrumento, numa época em que o baixo só servia pra acompanhar a cozinha, raramente na linha de frente de uma música.
Em 1966 lançam outro grande disco dessa fase mais ensolarada e despretensiosa, bem-humorada e rock’n’roll, A Quick One. O título é uma alusão à música A Quick One, While He’s Away, uma primeira tentativa de fazer rock mais pretensioso, que se tornaria marca do Who dali em diante, com sua suíte de trechos musicais e duração de 9 minutos. Um prenúncio do que estava por vir. Ainda em 1966 lançam o single Substitute, clássico que sobreviveu à sua geração sendo reverenciada em gravações pelos padrinhos do punk Sex Pistols e Ramones.
Veio 1967, o ano-mor da psicodelia e experimentação no rock e The Who não ficou imune a esses ventos. Lançaram o disco Who Sell Out (algo como Who Se Vendeu) brincando desde a capa com a idéia de uma banda como objeto de consumo e posando vendendo produtos bizarros. O disco foi feito como se fosse uma transmissão de rádio pirata e podem ser ouvidos entre as faixas anúncios de produtos fictícios. Na musicalidade, se sofisticavam, incorporando a psicodelia e sons mais melódicos. Considero esse o melhor disco até então, embora há quem prefira os primeiros trabalhos, mais porrada e diretos, que influenciaram o punk e muito do rock que é feito até hoje, despretensioso.

Tommy e a popularização da ópera-rock

Em 1969, após um ano sem lançar disco, lançam uma obra grandiosa que deixou a todos de queixo caído, principalmente os hippies nerds e sua sede de descobrir a simbologia por trás do disco. Tommy, um disco duplo, se tornou um marco não por ser o primeiro disco de ópera-rock, mas como o primeiro a popularizar o formato. Mas o que é um disco de ópera-rock? Ah, ãhn, podemos dizer que é um disco que conta uma mesma estória por entre suas faixas, um disco amarrado por um conceito ou idéia. Entendeu?! Bem, muita gente deve ter quebrado a cabeça tentando entender a profundidade do disco que conta a estória de um garoto cego-surdo-mudo que por força de uma intuição se torna campeão de pinball (mais uma referência ao mundo pop e também à idéia de iluminação espiritual) e logo é convertido em um guru das massas. Mas não se preocupem com a estória, a música é maravilhosa, e as sessões instrumentais soberbas. Tommy é o disco que catapultou The Who para o primeiro escalão do time do rock na imprensa e público. E muitos aleijados faziam questão de chegar nos camarins do Who para pedir curas milagrosas! Anos depois, o disco ganhou uma versão cinematográfica com participação de astros como Eric Clapton e Elton John. Boa oportunidade aos brasileiros de conferir o que dizem as letras e verem se interpretem algo consistente.

Os anos após Tommy: consolidação e art-rock

The Who era considerado uma lenda ao vivo e não é pra menos a conjugação de personalidades tão ímpares e diferentes no mesmo palco. Aliás, minha primeira grande identificação com a banda foi ao ver o vídeo 30 Years of Maximum Rythm and Blues, uma coletânea de shows desde o começo da carreira.
Na década de 70 seu som foi ficando mais hard ao ponto de ser considerada pelo Guiness a banda que toca mais alto. Um registro que se tornou um marco foi feito de uma apresentação do Who na Universidade de Leeds contando com clássicos de seu repertório e versões apimentadas de clássicos do cancioneiro rock e blues como Young Man Blues, Summertime Blues e Shakin’ All Over. Versões bem expandidas do LP Live At Leeds de 1970 foram lançadas na era do CD.
Ainda desse ano é o lançamento do single The Seeker (O Buscador), que dá título a esse artigo e expressa bem o espírito inquieto do líder Pete Townshend em busca de uma verdade transcendente: “I asked Bob Dylan / I asked the Beatles / I asked Timothy Leary / But he couldn’t help me either” (Eu perguntei a Bob Dylan / Eu perguntei aos Beatles / Eu perguntei a Timothy Leary / Mas ele não pôde me ajudar também), “They call me the Seeker / I’ve been searching low and high / I won’t get to get what I’m after / Till the day I die” (Eles me chamam de o Buscador / Eu tenho procurado pra acima e pra abaixo / Não vou conseguir achar o que eu procuro / Até o dia que eu morrer).
Logo Pete Townshend tinha em mente expandir suas idéias musicais em mais uma ópera-rock, mas dessa vez os outros integrantes, afeitos ao formato rock básico bateram o pé. O que se seguiu foi uma tentativa vã de Pete Townshend de convencê-los e uma crise de exaustão nervosa. Mas do que restou de Lifehouse, como se chamaria o disco, surgiu, sem uma forma conceitual, o disco mais popular e aclamado pela crítica, Who’s Next, em 1971. Nele, Pete Townshend está influenciado pelos ensinamentos do guru indiano Meher Baba e faz um uso inovador para o rock de sintetizadores, como pode ser verificado na música We Won’t Get Fooled Again. Também desse disco há uma pérola de balada, a música mais conhecida deles em terras tupiniquins, Behind Blue Eyes, de que depois foi feita uma versão conhecida de Limp Bizkit, que não conta com a parte mais agressiva e clímax da música. Do disco Who’s Next recomendo a versão que tem faixas bônus, músicas que seriam lançadas no projeto da ópera-rock e que figuram de igual para igual em qualidade no repertório original do disco.
Após esse sucesso, Pete Townshend conseguiu dobrar seus companheiros para fazer mais um disco de ópera-rock. O que seguiu é uma história prodigiosa das aventuras e desventuras de um garoto mod em 1963, sua busca por prazer em anfetaminas, brigas de rua, garotas, motocicletas, os conflitos familiares, o mercado de trabalho e uma crise existencial. Embora não seja tão exuberante musicalmente quanto Tommy, o disco Quadrophenia, de 1973 e suas letras figuram como uma verdadeira obra-prima do Who, que também foi adaptada pro cinema e que recomendo, principalmente pra quem tem dificuldade em traduzir as letras, muito fortes e existencialistas, prenunciando The Wall, outra grande ópera-rock existencial, do Pink Floyd, em alguns anos.

Declínio criativo do Who e morte de Keith Moon

Nos anos seguintes, estabelecidos como grande mito do rock e vivendo dilemas mais adultos, The Who lançou discos menos inspiradores, a começar por Who By Numbers, de 1975, que não chega a ser ruim, mas não faz sombra aos melhores tempos. Em 1978, é lançado Who Are You, disco com influências mais eletrônicas, mais fraco que o anterior.
Mas no mesmo ano uma tragédia acomete o mais alucinado e carismático dos membros do Who: Keith Moon é morto por uma dose acidental de um remédio prescrito pra seu alcoolismo.
A banda segue em frente e lança dois discos mornos no começo dos anos 80, Face Dances (81) e It’s Hard (82). Em seguida a banda anuncia uma lucrativa turnê de despedida mas turnês de despedida e de aniversário sem lançamentos originais acabam manchando um pouco da reputação da banda.
Em 2002 é a vez de John Entwistle ser encontrado morto após overdose de cocaína.
Ainda assim, com apenas 2 membros originais, Pete Townshend e Roger Daltrey, lançam em 2006 o disco Endless Wire com recepção cética da crítica.

O legado do Who

Apesar de o auge criativo do Who ter se dado até 1973, com Quadrophenia, é inegável que a banda se tornou símbolo do que o rock representa de irreverência, ambição criativa e vitalidade. Seu campo de influenciados é vasto passando pelo punk, principalmente pelo grupo The Jam, pelos brasileiros do Ira, e até do grunge do Pearl Jam, além de incontáveis bandas que utilizaram como matéria prima seu legado inicial e mais direto como os sulistas do Cachorro Grande. Seu repertório da fase mais ópera-rock é inimitável. Vida longa ao Who!

Um comentário:

  1. Olá, quem fala é Daniel, que escreveu a crítica do Fear of Músic no Clyblog. Obrigado pelas palavras. Também curti muito teu blog. Virei sempre aqui. Escrevi outras coisas também no Clyblog, do qual sou colaborador. Se te interessar, de música já falei sobre o Estudando o Samba, do Tom Zé, o Einstein on the Beach, do Philip Glass, o Carlos, Erasmo... do Erasmo Carlos, entre outros. De poesia, até me arrisco também (procure lá em Cotidianas nº 65 e nº 111). E quero te convidar a conhecer meu blog de cinema: oestadodascoisascine.wordpress.com
    Helter Skelter pra nós!
    Abraço.

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